Olha, Marília, as flautas dos pastores
Olha, Marília, as flautas dos pastores,
Que bom que soam, como estão cadentes!
Olha o Tejo a sorrir-te! Olha não sentes
Os Zéfiros brincar por entre as flores?
Vê como ali, beijando-se os amores
Incitam nossos ósculos ardentes!
Ei-las de planta em planta as inocentes,
As vagas borboletas de mil cores!
Naquele arbusto o rouxinol suspira,
Ora nas folhas a abelhinha pára,
Ora nos ares sussurrando gira:
Que alegre campo! Que manhã tão clara!
Mas ah! Tudo o que vês, se eu te não vira,
Mais tristeza que a morte me causara. ( Bocage )
No soneto
selecionado é importante destacar aspectos da estética Árcade, já que o autor
retornou aos modelos clássicos, ou seja, o soneto transmite a ideia de arte
como uma cópia da natureza refletida através da tradição clássica.
A partir da
primeira estrofe nota-se a valorização da vida no campo (bucolismo), pois a
amada é convidada a admirar as coisas simples ao seu redor, voltando-se para
uma vida simples e pastoril. Cumpre salientar que essa busca por uma vida
simplória no campo é apenas um estado de espírito, uma ideologia, já que os
autores mantinham seus interesses nos centros urbanos, portanto, nota-se o uso
de pseudônimos de pastores.
Na segunda
estrofe nota-se a idealização da mulher amada, outro aspecto muito importante
na estética Árcade, pois na intenção de aproveitar o tempo “Carpe diem”, o
pastor insinua que os beijos de outros amores incentivam os beijos dele com a
mulher amada, principalmente naquele momento, já que aquela paisagem tão
inocente e que transmite paz é propicia para este beijo.
Nas duas últimas
estrofes é importante destacar o sentimento de bem estar do pastor pelo
ambiente campestre, porém na última estrofe há uma valorização das coisas
cotidianas focalizadas pela razão (Aurea mediocritas), pois há uma comparação,
ou seja, todo esse bem estar vindo da paisagem campestre de nada valerá se
Marília não estiver também, pois do contrário seria mais triste do que a
própria morte.
Luciana Linhares