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domingo, 16 de setembro de 2012

Gil Vicente



É considerado o primeiro grande dramaturgo português, não se sabe ao certo quando nasceu ou morreu, mas suas obras marcam a passagem da Idade Média para o Renascimento. Ele popularizou o teatro, porque os atores que representavam suas peças vinham do povo, além de trazer á cena todos os representantes das classes socias que faziam parte daquela sociedade. Suas peças tinham temáticas religiosas e críticas sociais, ele conseguiu democratizar o teatro levando suas peças para além das igrejas. Entre suas obras destacam-se O Auto da Lusitânia e a Trilogia das Barcas.
Apesar de ter sido escrito há mais de 500 anos atrás, o trecho a seguir que faz parte do Auto da Lusitânia (uma peça escrita por Gil Vicente em 1529 e representada pela primeira vez em 1532, na corte de D. João III, rei de Portugal, por ocasião do nascimento de seu filho, o príncipe D. Manuel.) mostra uma atualidade do texto, impressionante, pois parece que ele estar referindo-se a sociedade Conteporânea.
 O auto da Lusitânia aborda a origem mítica de Portugal. Na segunda parte assiste-se ao casamento de Portugal com a princesa Lusitânia. Dinato e Berzebu, encarreguados de relatar a Lúcifer tudo o que se passa, escutam o diálogo entre Todo o Mundo e Ninguém.
O autor deu o nome de Todo o Mundo e Ninguém às suas personagens principais desta cena. Pretendeu com isso fazer humor, caracterizando o rico mercador, cheio de ganância, vaidade, petulância, como se ele representasse a maioria das pessoas na terra (todo o mundo). E atribuindo ao pobre, virtuoso, modesto, o nome de (Ninguém), para demonstrar que praticamente ninguém é       assim no mundo.





Entra Todo o Mundo, rico mercador, e faz que anda buscando alguma cousa que perdeu; e logo após, um homem, vestido como pobre. Este se chama Ninguém e diz:

Ninguém: Que andas tu aí buscando?
Todo o Mundo: Mil cousas ando a buscar:
                         delas não posso achar,
                         porém ando porfiando
                         por quão bom é porfiar.
Ninguém: Como hás nome, cavaleiro?
Todo o Mundo: Eu hei nome Todo o Mundo
                         e meu tempo todo inteiro
                         sempre é buscar dinheiro
                         e sempre nisto me fundo.
Ninguém: Eu hei nome Ninguém,
               e busco a consciência.
Belzebu: Esta é boa experiência:
             Dinato, escreve isto bem.
Dinato: Que escreverei, companheiro?
Belzebu: Que Ninguém busca consciência.
              e Todo o Mundo dinheiro.
Ninguém: E agora que buscas lá?
Todo o Mundo: Busco honra muito grande.
Ninguém: E eu virtude, que Deus mande
               que tope com ela já.
Belzebu: Outra adição nos acude:
              escreve logo aí, a fundo,
              que busca honra Todo o Mundo
              e Ninguém busca virtude.
Ninguém: Buscas outro mor bem qu'esse?
Todo o Mundo: Busco mais quem me louvasse
                         tudo quanto eu fizesse.
Ninguém: E eu quem me repreendesse
               em cada cousa que errasse.
Belzebu: Escreve mais.
Dinato: Que tens sabido?
Belzebu: Que quer em extremo grado
              Todo o Mundo ser louvado,
              e Ninguém ser repreendido.
Ninguém: Buscas mais, amigo meu?
Todo o Mundo: Busco a vida a quem ma dê.
Ninguém: A vida não sei que é,
               a morte conheço eu.
Belzebu: Escreve lá outra sorte.
Dinato: Que sorte?
Belzebu: Muito garrida:
              Todo o Mundo busca a vida
              e Ninguém conhece a morte.
Todo o Mundo: E mais queria o paraíso,
                         sem mo Ninguém estorvar.
Ninguém: E eu ponho-me a pagar
               quanto devo para isso.
Belzebu: Escreve com muito aviso.
Dinato: Que escreverei?
Belzebu: Escreve
              que Todo o Mundo quer paraíso
              e Ninguém paga o que deve.
Todo o Mundo: Folgo muito d'enganar,
                         e mentir nasceu comigo.
Ninguém: Eu sempre verdade digo
               sem nunca me desviar.
Belzebu: Ora escreve lá, compadre,
              não sejas tu preguiçoso.
Dinato: Quê?
Belzebu: Que Todo o Mundo é mentiroso,
              E Ninguém diz a verdade.
Ninguém: Que mais buscas?
Todo o Mundo: Lisonjear.
Ninguém: Eu sou todo desengano.
Belzebu: Escreve, ande lá, mano.
Dinato: Que me mandas assentar?
Belzebu: Põe aí mui declarado,
              não te fique no tinteiro:
              Todo o Mundo é lisonjeiro,
              e Ninguém desenganado.





Nagiane Guedes.

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