É considerado o primeiro grande dramaturgo
português, não se sabe ao certo quando nasceu ou morreu, mas suas obras marcam
a passagem da Idade Média para o Renascimento. Ele popularizou o teatro, porque
os atores que representavam suas peças vinham do povo, além de trazer á cena
todos os representantes das classes socias que faziam parte daquela sociedade.
Suas peças tinham temáticas religiosas e críticas sociais, ele conseguiu
democratizar o teatro levando suas peças para além das igrejas. Entre suas
obras destacam-se O Auto da Lusitânia e a Trilogia das Barcas.
Apesar de ter sido escrito há mais de 500 anos
atrás, o trecho a seguir que faz parte do Auto da Lusitânia (uma peça escrita por Gil
Vicente em 1529 e representada pela primeira vez em 1532,
na corte de D. João
III, rei de Portugal, por ocasião do nascimento de seu filho, o
príncipe D.
Manuel.) mostra uma
atualidade do texto, impressionante, pois parece que ele estar referindo-se a
sociedade Conteporânea.
O auto da Lusitânia aborda a origem mítica de
Portugal. Na segunda parte assiste-se ao casamento de Portugal com a princesa
Lusitânia. Dinato e Berzebu, encarreguados de relatar a Lúcifer tudo o que se
passa, escutam o diálogo entre Todo o Mundo e Ninguém.
O autor deu o nome de Todo o Mundo e Ninguém às
suas personagens principais desta cena. Pretendeu com isso fazer humor,
caracterizando o rico mercador, cheio de ganância, vaidade, petulância, como se
ele representasse a maioria das pessoas na terra (todo o mundo). E atribuindo
ao pobre, virtuoso, modesto, o nome de (Ninguém), para demonstrar que
praticamente ninguém é assim no
mundo.
Entra Todo o
Mundo, rico mercador, e faz que anda buscando alguma cousa que perdeu; e logo
após, um homem, vestido como pobre. Este se chama Ninguém e diz:
Ninguém: Que
andas tu aí buscando?
Todo o Mundo: Mil
cousas ando a buscar:
delas não posso achar,
porém ando porfiando
por quão bom é porfiar.
Ninguém: Como
hás nome, cavaleiro?
Todo o Mundo: Eu hei
nome Todo o Mundo
e meu tempo todo inteiro
sempre é buscar dinheiro
e sempre nisto me fundo.
Ninguém: Eu hei
nome Ninguém,
e busco a consciência.
Belzebu: Esta é
boa experiência:
Dinato, escreve isto bem.
Dinato: Que
escreverei, companheiro?
Belzebu: Que
Ninguém busca consciência.
e Todo o Mundo dinheiro.
Ninguém: E agora
que buscas lá?
Todo o Mundo: Busco
honra muito grande.
Ninguém: E eu
virtude, que Deus mande
que tope com ela já.
Belzebu: Outra
adição nos acude:
escreve logo aí, a fundo,
que
busca honra Todo o Mundo
e Ninguém busca virtude.
Ninguém: Buscas
outro mor bem qu'esse?
Todo o Mundo: Busco
mais quem me louvasse
tudo quanto eu fizesse.
Ninguém: E eu
quem me repreendesse
em cada cousa que errasse.
Belzebu: Escreve
mais.
Dinato: Que
tens sabido?
Belzebu: Que
quer em extremo grado
Todo
o Mundo ser louvado,
e
Ninguém ser repreendido.
Ninguém: Buscas
mais, amigo meu?
Todo o Mundo: Busco a
vida a quem ma dê.
Ninguém: A vida
não sei que é,
a morte conheço eu.
Belzebu: Escreve
lá outra sorte.
Dinato: Que
sorte?
Belzebu: Muito
garrida:
Todo
o Mundo busca a vida
e Ninguém conhece a morte.
Todo o Mundo: E mais
queria o paraíso,
sem mo Ninguém estorvar.
Ninguém: E eu
ponho-me a pagar
quanto devo para isso.
Belzebu: Escreve
com muito aviso.
Dinato: Que
escreverei?
Belzebu: Escreve
que
Todo o Mundo quer paraíso
e
Ninguém paga o que deve.
Todo o Mundo: Folgo
muito d'enganar,
e mentir nasceu comigo.
Ninguém: Eu
sempre verdade digo
sem nunca me desviar.
Belzebu: Ora
escreve lá, compadre,
não
sejas tu preguiçoso.
Dinato: Quê?
Belzebu: Que Todo
o Mundo é mentiroso,
E Ninguém diz a verdade.
Ninguém: Que
mais buscas?
Todo o Mundo:
Lisonjear.
Ninguém: Eu sou
todo desengano.
Belzebu:
Escreve, ande lá, mano.
Dinato: Que me
mandas assentar?
Belzebu: Põe aí
mui declarado,
não
te fique no tinteiro:
Todo
o Mundo é lisonjeiro,
e
Ninguém desenganado.
Nagiane Guedes.
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