A DEMANDA
DO SANTO GRAAL
(Fragmento)
Véspera de Pinticoste foi grande
gente assüada em Camaalot, assi que podera homem i veer mui gram gente, muitos
cavaleiros e muitas donas mui bem guisadas. El-rei, que era ende mui ledo,
honrou-os muito e feze-os mui bem servir; e toda rem que entendeo per que
aquela corte seeria mais viçosa e mais leda, todo o fez fazer.
Aquel dia que vos eu digo,
direitamente quando queriam poer as mesas – esto era ora de noa – aveeo que üa
donzela chegou i, mui fremosa e mui bem vestida. E entrou no paaço a pee, como
mandadeira. Ela começou a catar de üa parte e da outra, pelo paaço; e
perguntavam-na que demandava.
– Eu demando – disse ela – por
Dom Lançarot do Lago. É aqui?
– Si, donzela – disse üu
cavaleiro. Veede-lo: stá aaquela freesta, falando com Dom Gualvam.
Ela foi logo pera el e salvô-o.
Ele, tanto que a vio, recebeo-a mui bem e abraçou-a, ca aquela era üa das
donzelas que moravam na Insoa da Lediça, que a filha Amida del-rei Peles amava
mais que donzela da sua companha i.
– Ai, donzela! – disse Lançalot
–que ventura vos adusse aqui, que bem sei que sem razom nom veestes vós?
– Senhor, verdade é; mais
rogo-vos, se vos aprouguer, que vaades comigo aaquela foresta de Camaalot; e
sabede que manhãa, ora de comer, seeredes aqui.
– Certas, donzela – disse el –
muito me praz; ca teúdo e soom de vos fazer serviço em tôdalas cousas que eu
poder.
Entam pedio suas armas. E quando
el-rei vio que se fazia armar a tam gram coita, foi a el com a raïa e
disse-lhe:
– Como leixar-nos queredes a atal
festa, u cavaleiros de todo o mundo veem aa corte, e mui mais ainda por vos
veerem ca por al – deles por vos veerem e deles por averem vossa companha?
– Senhor, – disse el – nom vou
senam a esta foresta com esta donzela que me rogou; mais cras, ora de terça,
seerei aqui.
Entom se saío Lançarot do Lago e
sobio em seu cavalo, e a donzela em seu palafrem; e forom com a donzela dous
cavaleiros e duas donzelas. E quando ela tornou a eles, disse-lhes:
– Sabede que adubei o por que
viim: Dom Lançarot do Lago se irá comnosco.
Entam se filharom andar e entrarom na foresta; e nom andarom muito
per ela que chegarom a casa do ermitam que soía a falar com Gualaz. E quando el
vio Lançarot ir é a donzela, logo soube que ia pera fazer Gualaaz cavaleiro, e
leixou sua irmida por ir ao mosteiro das donas, ca nom queria que se fosse
Gualaaz ante que o el visse, ca bem sabia que, pois se el partia dali, que nom
tornaria i, ca lhe convenria e, tanto que fosse cavaleiro, entrar aas venturas
do reino de Logres. E
por esto lhe semelhava que o avia perdudo e que o nom veeria a meude, e temia,
ca avia em ele mui grande sabor, porque era santa cousa e santa creatura.
Quando
eles cheguarom aa abadia, levarom Lançarot pera üa camara, e desarmarom-no. E
vëo a ele a abadessa com quatro donas, e adusse consigo Gualaaz: tam fremosa
cousa era, que maravilha era; e andava tam bem vesådo, que nom podia milhor. E
a abadessa chorava muito com prazer. Tanto que vio Lançarot, disse-lhe:
–
Senhor, por Deos, fazede vós nosso novel cavaleiro, ca nom queriamos que seja
cavaleiro por mão doutro; ca milhor cavaleiro ca vós nom no pode fazer
cavaleiro; ca bem crcemos que ainda seja tam bõo que vos acharedes ende bem, e
que será vossa honra de o fazerdes; e se vos el ende nom rogasse, vó-lo
devíades de fazer, ca bem sabedes que é vosso filho.
–
Gualaaz – disse Lançalot – queredes vós seer cavaleiro?
El
respondeo baldosamente:
–
Senhor, se prouvesse a vós, bem no queria seer, ca nom há cousa no mundo que
tanto deseje como honra de cavalaria, e seer da vossa mão, ca doutra nom. no:
queria seer, que tanto vos auço louvar e preçar de cavalaria, que nenhüu, a meu
cuidar, nom podia seer covardo nem mao que vós fezéssedes cavaleiro. E esto é
üa das cousas do mundo que me dá maior esperança de seer homem bõo e bõo cavaleiro.
–
Filho Gualaaz – disse Lançalot – stranhamente vos fez Deos fremosa creatura.
Par Deos, se vós nom cuidades seer bõo homem ou bõo cavaleiro, assi Deos me
conselhe, sobejo seria gram dapno e gram malaventura de nom seerdes bõo
cavaleiro, ca sobejo sedes fremoso.
E
ele disse:
–
Se me Deos fez assi fremoso, dar-mi-á bondade, se lhe prouver; ca, em outra
guisa, valeria pouco. E ele querrá que serei bõo e cousa que semelhe minha
linhagem e aaqueles onde eu venho; e metuda ei minha sperança em Nosso Senhor. E
por esto vos rogo que me façades cavaleiro.
E
Lançalot respondeo:
–
Filho, pois vos praz, eu vos farei cavaleiro. E Nosso Senhor, assi como a el
aprouver e o poderá fazer, vos faça tam bõo cavaleiro como sodes fremoso.
E
o irmitam respondeo a esto:
–
Dom Lançalot, nom ajades dulda de Galaaz, ca eu vos digo que de bondade de
cavalaria os milhores cavaleiros do mundo passará.
E
Lançalot respondeo:
–
Deos o faça assi como eu queria.
Entam
começarom todos a chorar com prazer quantos no lugar stavam.
Demanda do Santo Graal, fl. I, ed. de Augusto Magne, 1955-1970.
Comentário:
“Uma novela de cavalaria da época
do Trovadorismo, onde houve grande aceitação entre as cortes e os leitores mais
nobres.
O início da
história se dá com a figura majestosa do Rei Artur, que para o povo era a
representação de Deus na terra.
Seu encontro
com a donzela o leva a Galaaz, figura de extrema beleza e muita pureza que foi
feito cavaleiro pelas próprias mãos do
Rei Artur.
Esta obra
retrata as aventuras dos cavaleiros do Rei Artur em busca do cálice sagrado
(Santo Graal). Este cálice conteria o sangue recolhido por José de Arimatéia,
quando Cristo estava crucificado. Esta busca (demanda) é repleta de simbolismo
religioso, e o valoroso cavaleiro Galaaz consegue o cálice.
O sonho e a
fantasia se misturam dando asas à imaginação em que pode-se perceber um fundo
de realidade dentro da ficção.
Um mergulho no
lago fictício cheio de aventuras, em que se chega a um mundo encantado com
duras realidades e íntimas paixões, algumas vezes dominadas pelo medo ao
pecado.”
(Cláudia
Lizandra Fernandes Cruz)