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quinta-feira, 30 de agosto de 2012

A DEMANDA DO SANTO GRAAL


A DEMANDA DO SANTO GRAAL
(Fragmento)
Véspera de Pinticoste foi grande gente assüada em Camaalot, assi que podera homem i veer mui gram gente, muitos cavaleiros e muitas donas mui bem guisadas. El-rei, que era ende mui ledo, honrou-os muito e feze-os mui bem servir; e toda rem que entendeo per que aquela corte seeria mais viçosa e mais leda, todo o fez fazer.
Aquel dia que vos eu digo, direitamente quando queriam poer as mesas – esto era ora de noa – aveeo que üa donzela chegou i, mui fremosa e mui bem vestida. E entrou no paaço a pee, como mandadeira. Ela começou a catar de üa parte e da outra, pelo paaço; e perguntavam-na que demandava.
– Eu demando – disse ela – por Dom Lançarot do Lago. É aqui?
– Si, donzela – disse üu cavaleiro. Veede-lo: stá aaquela freesta, falando com Dom Gualvam.
Ela foi logo pera el e salvô-o. Ele, tanto que a vio, recebeo-a mui bem e abraçou-a, ca aquela era üa das donzelas que moravam na Insoa da Lediça, que a filha Amida del-rei Peles amava mais que donzela da sua companha i.
– Ai, donzela! – disse Lançalot –que ventura vos adusse aqui, que bem sei que sem razom nom veestes vós?
– Senhor, verdade é; mais rogo-vos, se vos aprouguer, que vaades comigo aaquela foresta de Camaalot; e sabede que manhãa, ora de comer, seeredes aqui.
– Certas, donzela – disse el – muito me praz; ca teúdo e soom de vos fazer serviço em tôdalas cousas que eu poder.
Entam pedio suas armas. E quando el-rei vio que se fazia armar a tam gram coita, foi a el com a raïa e disse-lhe:
– Como leixar-nos queredes a atal festa, u cavaleiros de todo o mundo veem aa corte, e mui mais ainda por vos veerem ca por al – deles por vos veerem e deles por averem vossa companha?
– Senhor, – disse el – nom vou senam a esta foresta com esta donzela que me rogou; mais cras, ora de terça, seerei aqui.
Entom se saío Lançarot do Lago e sobio em seu cavalo, e a donzela em seu palafrem; e forom com a donzela dous cavaleiros e duas donzelas. E quando ela tornou a eles, disse-lhes:
– Sabede que adubei o por que viim: Dom Lançarot do Lago se irá comnosco.
Entam se filharom andar e entrarom na foresta; e nom andarom muito per ela que chegarom a casa do ermitam que soía a falar com Gualaz. E quando el vio Lançarot ir é a donzela, logo soube que ia pera fazer Gualaaz cavaleiro, e leixou sua irmida por ir ao mosteiro das donas, ca nom queria que se fosse Gualaaz ante que o el visse, ca bem sabia que, pois se el partia dali, que nom tornaria i, ca lhe convenria e, tanto que fosse cavaleiro, entrar aas venturas do reino de Logres. E por esto lhe semelhava que o avia perdudo e que o nom veeria a meude, e temia, ca avia em ele mui grande sabor, porque era santa cousa e santa creatura.
Quando eles cheguarom aa abadia, levarom Lançarot pera üa camara, e desarmarom-no. E vëo a ele a abadessa com quatro donas, e adusse consigo Gualaaz: tam fremosa cousa era, que maravilha era; e andava tam bem vesådo, que nom podia milhor. E a abadessa chorava muito com prazer. Tanto que vio Lançarot, disse-lhe:
– Senhor, por Deos, fazede vós nosso novel cavaleiro, ca nom queriamos que seja cavaleiro por mão doutro; ca milhor cavaleiro ca vós nom no pode fazer cavaleiro; ca bem crcemos que ainda seja tam bõo que vos acharedes ende bem, e que será vossa honra de o fazerdes; e se vos el ende nom rogasse, vó-lo devíades de fazer, ca bem sabedes que é vosso filho.
– Gualaaz – disse Lançalot – queredes vós seer cavaleiro?
El respondeo baldosamente:
– Senhor, se prouvesse a vós, bem no queria seer, ca nom há cousa no mundo que tanto deseje como honra de cavalaria, e seer da vossa mão, ca doutra nom. no: queria seer, que tanto vos auço louvar e preçar de cavalaria, que nenhüu, a meu cuidar, nom podia seer covardo nem mao que vós fezéssedes cavaleiro. E esto é üa das cousas do mundo que me dá maior esperança de seer homem bõo e bõo cavaleiro.
– Filho Gualaaz – disse Lançalot – stranhamente vos fez Deos fremosa creatura. Par Deos, se vós nom cuidades seer bõo homem ou bõo cavaleiro, assi Deos me conselhe, sobejo seria gram dapno e gram malaventura de nom seerdes bõo cavaleiro, ca sobejo sedes fremoso.
E ele disse:
– Se me Deos fez assi fremoso, dar-mi-á bondade, se lhe prouver; ca, em outra guisa, valeria pouco. E ele querrá que serei bõo e cousa que semelhe minha linhagem e aaqueles onde eu venho; e metuda ei minha sperança em Nosso Senhor. E por esto vos rogo que me façades cavaleiro.
E Lançalot respondeo:
– Filho, pois vos praz, eu vos farei cavaleiro. E Nosso Senhor, assi como a el aprouver e o poderá fazer, vos faça tam bõo cavaleiro como sodes fremoso.
E o irmitam respondeo a esto:
– Dom Lançalot, nom ajades dulda de Galaaz, ca eu vos digo que de bondade de cavalaria os milhores cavaleiros do mundo passará.
E Lançalot respondeo:
– Deos o faça assi como eu queria.
Entam começarom todos a chorar com prazer quantos no lugar stavam.



Demanda do Santo Graal, fl. I, ed. de Augusto Magne, 1955-1970.
Comentário:
“Uma novela de cavalaria da época do Trovadorismo, onde houve grande aceitação entre as cortes e os leitores mais nobres.
O início da história se dá com a figura majestosa do Rei Artur, que para o povo era a representação de Deus na terra.
Seu encontro com a donzela o leva a Galaaz, figura de extrema beleza e muita pureza que foi feito cavaleiro pelas próprias  mãos do Rei Artur.
Esta obra retrata as aventuras dos cavaleiros do Rei Artur em busca do cálice sagrado (Santo Graal). Este cálice conteria o sangue recolhido por José de Arimatéia, quando Cristo estava crucificado. Esta busca (demanda) é repleta de simbolismo religioso, e o valoroso cavaleiro Galaaz consegue o cálice.
O sonho e a fantasia se misturam dando asas à imaginação em que pode-se perceber um fundo de realidade dentro da ficção.
Um mergulho no lago fictício cheio de aventuras, em que se chega a um mundo encantado com duras realidades e íntimas paixões, algumas vezes dominadas pelo medo ao pecado.”

(Cláudia Lizandra Fernandes Cruz)

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